Um dia de safari na Swazilândia

(13 de Dezembro de 2014)

Numa sexta-feira de Dezembro em Maputo tomei a decisão de passar o dia de sábado num país diferente, para uma experiência diferente. 

Por não ter qualquer companhia naquela ocasião, decidi seguir viagem sozinho. O meu carro, um Jeep Toyota Everest, era daqueles que nunca nos deixam ficar mal, o que, em África, é essencial e, por isso, sentia-me com coragem suficiente para enfrentar o desafio.

Assim, saí de manhã para Sudoeste em direção a um pequeno a país, entalado entre a África do Sul e Moçambique, a Suazilândia ou Swaziland.

É quase um apêndice da África do Sul e, por isso, na capital, encontram-se sinais das cidades ocidentais, modernas e desenvolvidas. No entanto, quando conhecemos algumas aldeias ou pequenas cidades e quando nos apercebemos do tipo de leis com que o país de rege, concluímos que se trata de um país perfeitamente tribal, onde a modernidade que se encontra na capital não é mais que uma fachada decorativa. Apenas como exemplo de alguns hábitos locais que nos chocam, para além da poligamia, uma prática normal, o Rei, todo-poderoso, tem mesmo direito a escolher de 2 em 2 anos uma nova concubina, numa cerimónia pública em que se juntam algumas dezenas de virgens, para que ele possa escolher a nova Rainha, que se vai juntar a mais uma dúzia delas escolhidas nos anos anteriores.

Depois, apesar da aparente modernidade, sobretudo quando comparado com Moçambique, nomeadamente porque, devido à influência sul-africana, se fala oficialmente o inglês, o país mantém grande parte da população a viver nas habituais palhotas, comunicando apenas através dos dialetos tribais, e com hábitos ancestrais que são respeitáveis e, aparentemente, não são, nem melhores nem piores que os nossos hábitos, são só diferentes….mas que levam a que não se cumpram alguns dos cuidados mínimos de saúde e salubridade, que faz com que este pais esteja no topo da lista dos casos de SIDA per capita.

De qualquer forma, a minha intenção não era, nem avaliar as questões de política interna do reino da Suazilândia nem sequer visitar a capital ou qualquer das outras cidades.

O meu objetivo era apenas passar um dia a fazer um safari no Royal National Park Hlane, um parque natural, propriedade de Sua Majestade, o Rei.

O Hlane fica a cerca de 120 Km de Maputo e saí de manhã cedo, porque pretendia chegar antes das 11h, para fazer um dos safaris pré-agendados pelo parque. Uma viagem de 120 kms em África não é a mesma coisa do que em qualquer outro local. Não sabemos o que nos pode acontecer, se existem cortes de estrada, se a polícia nos manda parar para nos multar, ou pelo menos, para lhes pagarmos um “refresco”, o que está sempre a acontecer.

Mas neste caso havia ainda que atravessar uma fronteira e aí os problemas podem ser bastante mais complicados. Nestes países, os habitantes são normalmente bastante cordiais e afáveis mas, aqueles que detêm um pequeno poder, polícias, funcionários da alfândega, alguns funcionários públicos que tratam de emissão ou renovação dos vistos, sempre que o poder lhes está nas mãos, ainda que seja um poder minúsculo, o comum é haver sempre um abuso desmesurado desse poder, chateando-nos até à exaustão para nos levar a tentar resolver o assunto de forma mais ágil com o pagamento de um refresco, que às vezes não vale dinheiro quase nenhum, mas que me dá completamente a volta ao estômago.

Por isso fui com algum tempo de folga contando com as demoras nos dois lados da fronteira. 

Lá superei os vários guardas da alfândega, com formulários intermináveis para preencher, desde o número do chassi do carro, às minhas moradas todas, em Moçambique, na Suazilândia e no resto do mundo. Tive vontade de inventar nomes e números, porque nada daquilo tem qualquer outro objetivo que não seja chatear.

Chegado ao Hlane comecei por não conseguir entrar por não ter 40 Lilangenis locais, (cerca de 3€…..os Lilangenis, ou ZHL, são chamados vulgarmente como Rands, por valerem exatamente o mesmo que os Rands sul-africanos). Mas neste caso não consegui arranjar o diabo do dinheiro local…..levava meticais, rands sul-africanos e até euros, e cartões de crédito, claro. Mas não, um parque que é uma das principais atrações turísticas de todo o país, só aceita a moeda local e não tem sequer terminais para cartões.

Tive de voltar para trás 30 kms, já a acelerar e sujeito a atropelar algum impala, que começavam a aparecer junto às valetas, e procurar, em desespero, uma caixa ATM, que julguei não existir num sítio daqueles, e já estava disposto a trocar euros na rua, nem que fosse a um quinto do câmbio.

Mas lá estava o multibanco na bomba de gasolina, sempre os principais sinais de modernidade que encontramos em África……e acabei por chegar ao parque pouco antes das 11 horas.

O Safari só se faria se houvesse, pelo menos, 2 passageiros, e comecei a temer que não fosse ter companhia. Estava disposto a pagar 2 bilhetes, que custavam 280 ZHL (cerca de 28 USD) mas, ainda assim, não sei se não iriam complicar por ser só uma pessoa, apesar de comprar 2 bilhetes para perfazer o quórum mínimo exigido. 

Mas não foi preciso, felizmente chegou um casal de americanos e já éramos uma multidão……e lá foi confirmado o safari.

Seguimos o condutor (um dos chamados Rangers) que me pareceu experiente, e entrámos num Land Rover que, tal como todos os veículos usados neste tipo de safaris, não tinha, nem janelas nem portas, o que nos dá uma certa sensação de desconforto tendo em conta que nos espera o convívio com algumas espécies menos amistosas.

O parque tem 3 secções distintas. Uma mais soft, onde o Rei costuma fazer caçadas e que é sobretudo ocupada pelos animais mais pacíficos, impalas, zebras e girafas, e também algumas famílias de rinocerontes, embora possam também aparecer algumas espécies isolada, como algum leão ou leopardo, mas não seria muito provável.

Uma outra zona, mais da pesada, com todo o tipo de bichos, elefantes, búfalos e leões. Há também leopardos e chitas, mas muito poucos, segundo dizem, nós não vimos nenhum.

A terceira zona é uma reserva de rinocerontes (rinocerontes brancos que se distinguem dos negros, não pela cor, mas pela boca que acaba numa linha reta e não curva, e pelo seu tamanho, o branco é maior do que negro). Nesta reserva de proteção da espécie encontram-se dezenas destes imponentes animais.

O Hlane Royal National Park, que inicialmente não era mais do que uma coutada privada de caça para o Rei, transformou-se numa reserva animal com cerca de 22.000 hectares, com uma rede de caminhos em terra, mas de fácil acesso, nomeadamente aos lagos e charcos, onde se concentra o maior número de animais.

Começámos pelo parque com animais mais pequenos, como numa espécie de iniciação e fomos vendo algumas espécies mais comuns, os impalas, os gnus, javalis, uns kudus e uns waterbucks, que são espécies semelhantes aos impalas……e também umas zebras, que foram o prato forte desta primeira fase do safari.

Não havia ainda grande emoção até passarmos o portão que nos levava até à zona dos grandes mamíferos.

Desde logo a paisagem da savana africana passa a ser dominada pelas árvores destruídas, uma consequência da existência de elefantes, que partem tudo o que encontram.

Mas no início, nada de animais, apenas vestígios. Procurávamos os abrigos que o nosso Ranger assegurava serem frequentados por leões, e umas charcas, onde eles iriam beber, mas nada de leões.

Aliás, o Hlane tem como símbolo exatamente o leão, o que é curioso porque é dos animais que menos se encontram no parque.

Mas tínhamos ainda muito tempo, o passeio era de 2 horas e meia e ainda nem meia hora tinha passado, quando começámos a avistar os primeiros elefantes.

É sempre interessante o desafio de nos aproximarmos de uma manada de elefantes, normalmente apenas com fêmeas e crias, os machos costumam vaguear sozinhos, e tentarmos interagir com eles. Às vezes as reações são menos amistosas, mas normalmente aceitam a nossa presença com naturalidade. Note-se que estes animais estão familiarizados com a presença daquele tipo de veículos.

Neste caso parámos mesmo junto às árvores e ramagens que eles iam triturando de forma implacável. Estivemos a 2 ou 3 metros da manada, com o jeep desligado......e eu a pensar no que nos poderia acontecer se um daqueles calmeirões resolvesse implicar connosco. Mas não, estavam todos numa onda pacífica e, ao fim de algum tempo, seguimos viagem com acenos de despedidas, naturalmente não retribuídos.

Nos instantes seguintes a bicharada começou a aparecer por todo o lado. Zebras, girafas e mais umas manadas de elefantes…..e repetimos o ritual de desligar o carro depois de nos aproximarmos tanto quanto possível.

Além de manadas com crias e fêmeas encontrámos também vários machos isolados. E aí, numa das situações, as coisas correram de forma diferente. Parámos atrás dum macho grande que devorava a ramagem de uma árvore, mas, neste caso com o carro a trabalhar. O bicho de repente parou de comer e, imediatamente, o nosso guia começou a fazer a manobra para sair dali. Era um caminho sem saída e cheio de socalcos e a manobra não parecia fácil. Mas quando o elefante nos encarou e ergueu as grandes orelhas, soltando uma espécie de hurro (que na realidade se chama "barrido"), mostrando que não estava com boas intenções, o nosso Ranger, transformou-se num power-ranger, e arrancou em velocidade, desviando-se das árvores e passando por cima de toda a vegetação e todos os buracos que lhe apareciam à frente. Só parámos quando atingimos uma distância de segurança, mas o elefante acabou por nem se mover, bastou aquele olhar ameaçador e pôs-nos logo em sentido.

No final destas quase 3 horas de safari entrámos na reserva de rinocerontes. Inicialmente começámos a encontrar as vastas áreas de dejetos, porque os rinocerontes gostam de deixar a sua marca territorial. Até avistarmos o primeiro grandalhão, cheio de lama e com cara de poucos amigos.

Mas depois apareceram as famílias, pareciam cachorros em matilha, até ficamos meio tranquilos, como se fossem inofensivos, mas sabemos que não é verdade……embora não se refiram situações em que os rinocerontes tenham investido contra os jeeps, mas o mesmo já não se pode dizer das manadas de elefantes, que têm o seu curriculum, aqui e noutros parques, como no Kruger, na África do Sul.

Terminámos esta parte do dia na zona do restaurante e dos alojamentos. O restaurante tem uma esplanada muito agradável com vista para um lago onde os aninais vêm beber. 

Está resguardado apenas por uma vedação de dois fios eletrificados, o que não me pareceu suficiente para fazer parar os animais mais pesados, tanto os rinocerontes como os hipopótamos, que estavam semi-submersos nas águas do lago com ar pachorrento, mas, como se sabe, são dos animais mais perigosos e, apesar de pesados, são ligeiros e rápidos quando atacam.

Mas essa não constitui uma preocupação para mim, que me senti toda manhã espantosamente seguro, como se percorresse uma qualquer diversão no Disney World, onde os animais são apenas robots.

E aproveitando essa boa onda disfrutei de um almoço naquela esplanada com vista privilegiada, e arrisquei um prato de ensopado de springbok, ou impala (coitadinho do bambi) mas tinha que experimentar e aquele era o local apropriado. E olhem que gostei bastante….

À tarde tinha ainda um outro desafio, um safari pedonal. É concebido principalmente para observação de aves mas, como se percorre um espaço com muitas outras espécies, adquire um interesse suplementar.

As aves interessam-me pouco, a menos de alguns abutres, a que acho uma certa piada, porque me lembram sempre alguns desenhos animados, mas gosto sobretudo das águias, e em especial da águia de cabeça branca, imponente e real, quase tão majestosa como a água do Benfica (mas não tanto......evidentemente).

Mas o interesse principal deste walking safari foi a adrenalina de percorrer um espaço ocupado por espécies selvagens, sem a proteção do Land Rover, mas apenas com um guia, ou Ranger, que aqui nos acompanhava de carabina devidamente preparada para qualquer eventualidade.

E começaram a aparecer os animais do costume, mas que, agora, nos pareciam muito mais próximos, por vezes até, demasiadamente. 

Enquanto foram os impalas e os javalis, não houve qualquer susto, mas as zebra e as girafas, já me deixaram mais apreensivo, embora, estas últimas, sejam animais extraordinários......bonitas, majestosas, elegantes e, tanto quanto pude observar, pacíficas.

Mas o meu medo eram os rinocerontes, embora, naquela zona, existissem apenas algumas famílias, ainda assim acabámos por os avistar em torno de um charco, provavelmente mais interessados na vidinha deles do que naqueles quatro curiosos.….e isso foi uma ótima notícia.

Acabei este passeio como quem cumpre um desafio, como quem alcança o cume de um grande obstáculo….cansado da caminhada e sobretudo trémulo da adrenalina, mas muito compensado por um dia de emoções fortes, daquelas com que a vida se constrói.

O parque oferece ainda alojamento em bungalows que não têm sequer eletricidade, o que faz das noites momentos mágicos, apenas à luz do petróleo, num ambiente onde os sons da savana são a única música de fundo.

Não tive a oportunidade de viver essa experiência mas, apesar disso, foi um dia fantástico. Que ótima ideia tive eu, quando me meti ao caminho nesta manhã de sábado.

O caminho de volta tinha ainda a inevitável passagem pela fronteira, sempre demorada e, já do lado de Moçambique, resolvi ainda fazer um pequeno desvio para visitar a cascata de Namaacha, uma zona nobre do tempo das colónias, onde muitos portugueses de Lourenço Marques tinham as suas casas de férias e fins-de-semana. E como já tinha ouvido relatos muito empolgados sobre as belezas da cascata de Namaacha, resolvi fazer a minha própria visita.

Felizmente não conhecia, nem a cascata nem a cidade, porque me pareceu tudo terrivelmente deprimente. Imagino o glamour de outros tempos, as casas e ruas, agora degradadas, teriam o brilho de uma época cintilante (apenas naquelas paragens porque, naquela época, em Portugal continental, tudo era terrivelmente cinzento e baço). 

É sempre arriscado voltar ao lugar onde se foi feliz, mas este era um lugar onde eu nem teria sequer sonhado alguma vez visitar, mas do qual tinha ouvido elogios carregados de emoção e saudade e, por isso, acreditei que conseguiria descortinar alguma magia e algum encanto. Mas não, não houve um único sinal que me fizesse imaginar que aquele teria sido um local acolhedor e marcante.

Faltavam ainda mais 80 quilómetros até Maputo, feitos já de noite, o que, quem nunca fez nem imagina a aventura que é.

Mas no final acabou em beleza, foi um grande dia e uma experiência muito peculiar……e mais uma história fantástica para contar e recordar. 

Carlos Prestes
Dezembro de 2014

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