sábado, 6 de dezembro de 2014

Cape Town

(3 dias em dezembro de 2014)

A Cidade do Cabo foi um local que sempre me inspirou, pela sua história, a sua localização geográfica e pelo simbolismo que sempre esteve associado àquele cabo, ora de tormentas, ora de boa esperança. Porém, como se tratava de um destino longínquo, não seria minimamente previsível poder vir a fazer uma viagem por estas paragens e só a circunstância de ter ido em trabalho até Moçambique no final do ano de 2014, veio a permitir que esta viagem pudesse acontecer.

Esta seria uma viagem para ser feita com a melhor das companhias e, para mim, não há melhor companhia do que viajar em família. Mas, a verdade é que, nem família nem amigos, não havia ninguém que me pudesse acompanhar naqueles dias de dezembro. E foi assim que, sozinho, parti num avião madrugador de Maputo, no dia 6 de dezembro, com destino a Cape Town.


Dia 1:

Aterrei no final da manhã num dia com um céu azul vivo e sem nuvens, que me recebeu com os seus 35º e me deslumbrou logo à chegada. Depois de alugar um carro no aeroporto parti diretamente para a zona mais moderna da cidade, o Waterfront, uma zona de porto, reabilitada recentemente para o mundial de futebol de 2010. 

Atualmente esta é a área com mais vida de toda a cidade, com um grande centro comercial que desemboca na marina, cheia de restaurantes com esplanadas, bares e outro tipo de diversões, como uma roda gigante ou vários artistas de rua. A marina ou porto de recreio, em nada tem a ver com as que encontramos na Europa, onde estão apenas fundeadas dezenas de embarcações. Aqui, os barcos entram e saem constantemente, para pescarias, para visitas às ilhas, ou mesmo com destino a Simon's Town, num longo passeio que nos levaria a mergulhar numa gaiola bem perto do grande tubarão-branco.
Fiquei encantado... o local é muito apelativo, agarra-nos logo, não me parecia estar em África, mas sentia algo da mística africana. Apesar da modernidade que a cidade respira e da influência da Inglaterra colonizadora, não nos faz lembrar qualquer cidade europeia, mas antes a imagem que temos de algumas cidades americanas ou australianas.

Comecei por parar numa das muitas esplanadas da marina para um reforço de pequeno-almoço, deixando-me deslumbrar pelas vistas.
Desde logo fiquei agradavelmente surpreendido com os preços que se praticavam nos restaurantes e bares, muito mais baixos do que em Portugal.

Também as pessoas me agradaram. Esta zona da Cidade do Cabo é frequentada sobretudo pelos descendentes britânicos, que falam o inglês no seu dia-a-dia. Poderia pensar-se que isso seria uma regra em todo o país, mas não é verdade. A África do Sul tem apenas 4 milhões de brancos para 40 milhões de negros ou mestiços. De qualquer forma, nas zonas mais frequentadas por turistas, seja em que cidade for, os brancos acabam sempre por ser maioritários.

Mas a verdade é que existem duas raças distintas de brancos sul-africanos. Para além dos habitantes de origem britânica, que falam inglês e têm aspeto de ingleses, existe uma grande maioria de brancos que parecem uma raça diferente, são os chamados Bóeres. Os Bóeres são descendentes dos colonos calvinistas, sobretudo da Holanda, mas também da Alemanha, da Dinamarca e de França, que se estabeleceram na África do Sul nos séculos XVII e XVIII, cuja colonização disputaram posteriormente com os britânicos. Desenvolveram uma língua própria, o afrikaans, derivado do holandês mas com influências de algumas línguas indígenas de África. Assim, em qualquer cidade sul-africana falam-se correntemente três dialetos, o inglês, o afrikaans e o dialeto da comunidade negra local que, em Cape Town, é o zulu.
Depois de me deixar ficar algum tempo a vaguear pelas várias plataformas do porto de recreio e percorrer as diversas atrações que o Waterfront oferece, pus-me a caminho em direção ao Downtown, o centro de negócios que liga com a zona histórica da cidade e com o bairro árabe, o Bo-Kaap.
Na zona de negócios salientam-se os edifícios modernos a fazer lembrar as cidades americanas. As ruas são preenchidas sobretudo pelas pessoas que trabalham nos escritórios da zona e, por isso, na hora de almoço ou no final do dia é quando as ruas vão ficando cheias.

Entrando na zona histórica destaca-se a imensa praça do edifício do City Hall e do Castle of Good Hope, uma construção do século XVII.


Virando depois para a colina do lado nascente, fica o bairro árabe, o Bo-Kaap. Os árabes são uma importante comunidade na África do Sul, são proprietários de muitos negócios, como redes de supermercados. O bairro é muito típico pelas suas casas, todas elas pintadas de cores vivas, num contraste quase berrante.

Voltando ao centro da cidade destaca-se ainda a zona do mercado de artesanato, na Greenmarket Square, com imensa animação, que começa a preencher as ruas envolventes, como a St Georges Mall, uma das ruas sem trânsito.

Nesta zona surge também um grande jardim, The Company's Garden, que é bastante relevante, quer na paisagem quer na dinâmica da cidade. Desenvolve-se a partir de dois monumentos de referência, a St. George's Cathedral e a Western Cape Provincial Library Service. Entrando depois no jardim, passando ainda pelo Edifício do Parlamento, na direção do outro extremo, onde se localizam a South African National Gallery e o Cape Town Planetarium.

O jardim tem uma vegetação abundante e vai passando ao longo de edifícios coloniais majestosos, mas o que mais marca a paisagem é a figura grandiosa do Table Mountain, o grande planalto, sempre presente, como se protegesse a cidade.
Ainda em pleno jardim surge uma estátua que passa quase desapercebida quando nos cruzamos com ela, mais preocupados em não pisar os muitos esquilos que vão ocupando os caminhos. É a estátua de Cecil Rhodes, um inglês ligado à exploração de diamantes e outras atividades mineiras, que se tornou primeiro ministro da Colónia do Cabo. 

Quando os ingleses chegaram à África do Sul para a conquistar aos, então colonos, os Bóeres, que descendiam dos primeiros colonizadores, durante a chamada Guerra dos Bóeres, Cecil Rhodes foi subindo para norte, para as regiões onde se desenvolviam as grandes explorações mineiras. Essas regiões, fora da África do Sul, eram permanentemente afetadas por guerras tribais. Mas Rhodes conseguiu liderar um processo de pacificação e, como consequência, e sob o seu comando, aqueles territórios acabaram por dar origem a um país, no início ainda uma colónia britânica não reconhecida oficialmente, que obteve a designação da terra de Rhodes, ou Rhodesia. Mais tarde a Rodésia do Sul separou-se da Rodésia do Norte e tornaram-se países independentes, respetivamente com os nomes atuais de Zimbabwe e Zâmbia.

Saído do jardim, a cerca de 200m, fica um dos hotéis de charme da cidade, o Mount Nelson Hotel.
Seguindo o conselho duns amigos, a Sónia e o Miguel Gião, resolvi entrar no hotel perto das 5 da tarde para experimentar aquele que era referenciado como o melhor chá das 5 do mundo. Não sei se é o melhor ou não, mas vale bem pela experiência... e, para mim, foi quase providencial, porque já não comia nada desde o reforço do pequeno-almoço ao fim da manhã.

O Mount Nelson Hotel, conhecido também como o Palácio Rosa, “oferece” um chá muito especial, que vários escritores, jornalistas e bloggers - e agora até eu próprio - têm registado nas respetivas crónicas de viagem.

Começa pelo ambiente... não sei de onde saem aquelas pessoas, mas a sala parece fazer parte da antiga colónia inglesa da Índia, com as famílias vestidas a rigor com as suas sedas e caxemiras. Depois o requinte daquilo que se pode degustar... sanduíches pequenas e delicadas com recheios diversos, como salmão fumado ou queijos creme franceses. Os scones ingleses, não podiam faltar, e foram os meus preferidos. Um bolo de chocolate escuro, muito amargo para o meu gosto, merengue de limão, biscoitos ainda quentes, com creme de natas, e uma tarte de leite, tipicamente sul-africana, que é chamada de melktert em afrikaans... e ainda muito mais.

Mas a grande marca do Mount Nelson Tea é o próprio chá que é servido, obtido a partir de uma mistura, habilmente conseguida, de seis chás diferentes, Darjeeling, Quénia, Assam, Keemun, Yunnan e Ceilão, e pétalas de flor colhidas no próprio jardim do hotel. O chá das cinco é servido no salão, no terraço ou no jardim ao redor da fonte, pelo custo (pelo menos para quem não é hóspede) de 265 Rand por pessoa, cerca de 20 €.

Depois de uma tremenda satisfação e quase comoção, mais pela experiência do que pelo banquete, saí do hotel quase eufórico... estava a ser um dia inacreditável. 

Faltava ainda passar pela Long Street, a rua mais carismática da cidade, onde, ao contrário dos locais que tinha visitado, se faz notar bastante a maioria negra. A Long Street é uma das ruas principais, famosa por ser uma zona de boémia, que apresenta sinais de uma cultura diversificada. Existem vários tipos de lojas, várias livrarias, alguns restaurantes étnicos e bares. Era esta a zona dos teatros onde passavam as peças de protesto anti-apartheid durante os anos 70 e 80, mas a maioria já fechou tendo sido substituídos por restaurantes ou lojas.

Arquitetonicamente a rua é conhecida pelo seu estilo colonial, com construções vitorianas com varandas de ferro forjado. Tanto pelo aspeto das casas, como por ser uma zona em que se nota o palpitar de um ambiente boémio, e até porque a maioria dos frequentadores locais são negros, esta rua parece claramente uma parte de New Orleans, nos Estados Unidos. 


A meio da rua, entre as várias lojas e restaurantes, surge o mais carismático dos locais, o Long Street Café. Um bar e restaurante enorme, com espaço para mais de uma centena de pessoas, que é frequentado sobretudo por negros e alguns turistas mais curiosos, com uma dinâmica incrível e uma marca colonial muito evidente.

Resolvi entrar, sentir a vibração do local e beber uma cerveja (há várias cervejas sul-africanas excelentes), mas aquele era um dia especial... jogava-se àquela hora um jogo decisivo para o campeonato sul-africano de futebol.

Neste país o futebol é o desporto rei apenas para a comunidade negra, enquanto os brancos são fanáticos pelo rugby e alguns ainda pelo críquete.

A equipa de futebol da cidade, os Kaizer Chiefs F.C., estava a jogar no Norte, em Joanesburgo, um jogo decisivo contra o seu rival, os Orlando Pirates... uma espécie dum Porto-Benfica, o que me fez logo simpatizar com os Kaizer Chiefs. Àquela hora o jogo passava nos vários ecrãs do Long Street Café, que estava repleto de adeptos entusiasmadíssimos, sobretudo porque estavam a ganhar 1-0 em Joanesburgo e aquele resultado era meio caminho para o título.

De repente apercebi-me que era o único branco num imenso café com mais de uma centena de africanos fanáticos pelo futebol e comecei a rezar para que os Pirates não marcassem um golo que alterasse a boa onda que estavam todos a viver. E os deuses deram ouvidos às minhas preces e foram os Kaizer Chiefs que marcaram o 2-0 no último minuto... e a festa começou e ninguém me chateou. Se alguém se metesse comigo já tinha ensaiado dizer que era de Portugal, um país amigo... e que era patrício do Cristiano Ronaldo, podia ser que me safasse.

O dia estava a chegar ao fim, foi um dia de emoções variadas e intensas, uma autêntica montanha-russa, num momento no seio da nobreza colonial britânica, tomando chá... e no momento seguinte, já numa África profunda, no meio de festejos que eram de futebol, mas quase pareciam um protesto anti apartheid.

O mapa seguinte representa aproximadamente a caminhada que fiz durante este longo dia:

Regressei depois calmamente em direção ao Waterfront, passando pelas ruas da cidade num final de tarde ainda quente, contemplando à distância a omnipresente Table Mountain, agora com as cores do entardecer.

O Waterfront é o local para onde convergem habitantes e turistas para passar uma noite quente como esta, entre bares ou esplanadas de restaurantes. A presença bem vincada da comunidade inglesa nesta cidade, em vez da comunidade bóere, faz com que o inglês seja o idioma dominante, em vez do afrikaans mais comum na África do Sul… e faz também com que as sul-africanas nesta cidade tenham, na generalidade, um ótimo aspeto, muito do género duma Charlize Theron… talvez esteja a ser um bocadinho exagerado!
Cheguei ao Waterfront e ainda deambulei pela zona, antes de escolher a esplanada certa para beber mais umas cervejas sul-africanas e experimentar uma mariscada, especialidade local, enquanto observava a vibração inacreditável com que aquela zona palpitava... a sensação é verdadeiramente espetacular.

Terminei este grande dia, perfeitamente incrível e inesquecível. Voltei ainda às ruas e não me apetecia deixar a cidade naquela noite tão quente e acolhedora, e com uma enorme curiosidade, para mim, que nunca tinha vivido um Dezembro no hemisfério Sul, de ver a paisagem enfeitada por uma grande árvore de Natal, contrastando com o calor da noite.


Dia 2:


O hotel situava-se na parte sudoeste da cidade, no Sea Point, uma das zonas mais nobres, com construções residenciais modernas e extensos passeios pedonais ao longo da marginal. Vive-se um ambiente de praia, é domingo de manhã e as famílias passam com toalhas e chapéus-de-sol... cheira a mar e a sal. 

Hoje ia ser um dia de grandes desafios, saindo das margens do Atlântico iria chegar às praias do Índico a meio da tarde e, para tal, teria de transpor o cabo das tormentas... é claro que tudo isto é simbólico, mas nós, portugueses, habituámo-nos a ver este cabo como um símbolo das conquistas lusas, os primeiros a fazer da tormenta uma boa esperança... e é aqui, mais do que em qualquer outro lugar, que me faz algum sentido a frase patriótica com que começa o nosso hino invocando heróis do mar, sem nome e sem rosto.

Saí então pela manhã da zona do Sea Point, começando por passar pelas zonas de praia, Clifton Beach e Camps Bay Beach, que nos fazem lembrar a Côte d’Azur, com um luxo inacreditável, ao nível das casas por onde se passa, e também pelas pessoas que respiram dinheiro, pela forma como vestem e pelos carros que conduzem... e pela origem inglesa, claro, quem disse que o apartheid acabou mesmo? Mas agora estas zonas ficariam apenas como local de passagem, porque amanhã iria passar por aqui mais algum tempo. 

Continuei na estrada junto ao mar, sempre devagar, porque a estrada estava cheia de ciclistas que faziam o seu exercício numa manhã quente de domingo, mas também porque a paisagem é de nos tirar o folgo, o que me fazia parar, de quando em quando, para apreciar e fotografar as vistas.
Chegado ao primeiro ponto de paragem previsto, o Hout Bay Harbour, procurei pelo porto onde iria apanhar um barco que me levaria a visitar a Duiker Island, também conhecida como Ilha das Focas (embora exista uma outra ilha na False Bay, já para lá do Cabo, essa mesmo com o nome de Seal Island). Encontrei o local certo e comprei o bilhete do barco por 70 rands, cerca de 5 €.

A ilha tem menos de 100 m por 80 e é famosa pela sua fauna marinha, como aves e, sobretudo, uma quantidade imensa de leões-marinhos. É visitada regularmente por turistas, numa pequena viagem de cerca de 15 minutos para cada lado, com mais 10 minutos em torno da ilha.

Em Outubro de 2012, virou-se um barco que transportava turistas tendo daí resultado a morte de dois deles, o que mancha o histórico daquela zona como ponto de interesse turístico.

Entrei num barco que me pareceu estável, teria uma lotação de mais de 100 pessoas e não estava muito cheio, era apenas eu e uma excursão de franceses, para aí uns 50. A saída do porto é fustigada pelas ondas que entram pela baía e senti algum desconforto, sobretudo pensando no que aconteceria se o tempo não estivesse tão tranquilo, porque estava o chamado mar chão e, ainda assim, o barco dançou bastante.

Chegados à ilha, completamente coberta por leões-marinhos, que, entretanto, tinham começado a aparecer, nadando junto à embarcação, o cheiro torna-se bastante intenso e quase nauseabundo. A humidade do ar intensificou-se, o vento ficou mais forte e começou a fazer frio, mesmo num dia quente como aquele. O mar começou a ficar agitado e percebe-se que não é fácil manter o barco junto aos rochedos com ondas e correntes que me pareceram fortes, e tentar imobilizá-lo os tais 10 minutos, para que toda a gente consiga fazer as suas fotografias.

A experiência é gira e chega mesmo a criar alguma adrenalina, mas é sobretudo interessante a observação de tantos animais daqueles no seu habitat perfeitamente selvagem, quando nunca os tinha visto anteriormente a não ser em jardins zoológicos ou em parques aquáticos.

Enquanto regressávamos de novo à baía os franceses desataram a fazer fotos de grupo e pediram-me para ser eu o fotógrafo. Como ignoravam a minha nacionalidade tentaram comunicar comigo em inglês, com um sotaque que me divertiu, recordando-me os personagens da série Alô Alô, que passava na RTP nos anos 80. Só mais tarde confessei que era português e que percebia o francês. Ficaram tão entusiasmados com a casualidade que voltaram a reunir o grupo para uma nova foto, desta vez tirada comigo entre o grupo, como se fosse um espécime raro por aquelas paragens. 

Chegados de novo a Hout Bay a paisagem da baía é deslumbrante vista a partir do mar, com as montanhas ao fundo, contornando a costa de areia branca. À entrada do porto somos recebidos por alguns leões-marinhos tresmalhados do grupo e curiosos em relação ao mundo dos humanos, esperando-nos numa espécie de bailado de mergulhos e piruetas.


Saindo do barco fui até à praia para experimentar aquela água... já esperava que fosse fria, mas tinha que confirmar. E lá fui eu, numa tentativa de mergulhar nas águas onde os grandes mares se juntam, para inscrever esse feito no meu curriculum. Mas, na verdade, não consegui cumprir um feito tão arrojado como esse... era a água mais fria onde alguma vez tinha tentado mergulhar. Os ossos começaram a latejar e desisti da façanha com a água ainda a meio das pernas, para evitar eventuais males maiores.

Como é possível que a natureza tenha brindado estas terras com praias magníficas de areia fina e muito branca e águas de um azul vivo e depois as tenha arrefecido até... sei lá, uns 12º no máximo. E mesmo aqueles que vestem um fato de surf e se fazem ao mar, há sempre um outro probleminha, o risco do grande tubarão-branco, que anda muito por aquelas bandas. 
Resolvi então escolher uma esplanada e ficar por lá observando a baía enquanto a praia ia ganhando vida, apesar de, na realidade, ninguém se arriscar a dar um mergulho. Eram mais as canoas e os barcos de remo e as brincadeiras de praia, mas nada de banhos de mar.

Continuei a viagem até ao cabo começando por atravessar uma zona de parque natural do Chapman's Peak. Trata-se de uma área protegida com acesso controlado, sendo mesmo obrigatório pagar 35 Rand (3 €) para atravessar a estrada que vai recortando as montanhas, a Chapman's Peak Drive.

A paisagem é fascinante. Deixando para trás a baía de Hout Bay, com a praia e as montanhas que a enquadram, a estrada vai atravessando a montanha recortando a própria encosta, pendurada nos penhascos e criando até uma sensação algo vertiginosa. 

Sempre que possível parava o carro e ficava a observar as vistas... é extraordinário aquele imenso oceano ao fundo, neste caso, ainda o Atlântico. Por vezes chegam mesmo a ser avistadas baleias e até encontrei alguns pontos para observação, informando que aqueles grandes cetáceos costumavam passar por ali nos percursos de migração. Não era esta a época certa e, por isso, não cheguei a ver o rasto de qualquer baleia, mas beleza daquela paisagem já era suficiente para me deslumbrar.



Após 8 km nesta extraordinária estrada de montanha atingi a baía de Noordhoek Beach, uma praia sem fim, com uma areia de um branco que quase me encandeava.
A partir daí entrei numa zona com várias povoações de veraneio, com praias que são sobretudo locais de encontro de surfistas, como Scarborough Beach, onde fiz uma paragem. Era domingo e as praias estavam com um ambiente fantástico, típico das concentrações de surfistas... pelos vistos, ninguém teme uma visita indesejável de algum tubarão.

Mais uns quilómetros e entrei no Parque Natural do Cabo. A entrada é paga, 110 Rand, cerca de 8 €, que permite o acesso a todas as zonas do parque natural.

Comecei logo por fazer uma paragem junto ao Padrão de Bartolomeu Dias, o navegador português que, em 1488, conseguiu pela primeira vez dobrar o cabo que ele próprio havia apelidado de Cabo das Tormentas. A passagem do cabo foi de uma importância vital para a campanha dos descobrimentos portugueses, ao mostrar a ligação entre o oceano Atlântico e o oceano Índico, prometendo a tão desejada chegada à Índia. Bartolomeu Dias retornou a Portugal com a boa nova e o rei D. João II decidiu mudar o nome deste lugar para Cabo da Boa Esperança… e é assim que se chama este lugar ainda hoje.

Por ironia do destino, Bartolomeu Dias haveria de morrer 12 anos depois, numa outra expedição, quando a sua caravela naufragou bem próximo deste mesmo cabo, que o tinha consagrado e agora lhe levava a vida.
É incrível a sensação que se experimenta ao pé de um monumento como este, que não é mais do que uma peça de betão simbolizando os antigos padrões erguidos pelos navegantes, registando assim a marca da sua passagem. Mas a verdade é que me senti tocado por aquele símbolo com qualquer coisa de patriótico que não costumo sentir.

Bartolomeu Dias foi o primeiro de entre várias armadas a conseguir o feito de dobrar o cabo que tantas tormentas tinha provocado, e que tão boa esperança deixou para os próximos navegantes. Mais tarde um outro navegador português faria a segunda passagem registada por este cabo. Foi Vasco da Gama na sua caminhada marítima até à Índia.

Por causa de todo este peso histórico, fiquei por ali algum tempo numa espécie de romagem, quase religiosa, que me pareceu até um pouco estranha, para quem, como eu, nunca valorizou particularmente as façanhas dos descobrimentos, porque sempre achei que teria havido muita violência à mistura para se conseguir subjugar as populações indígenas. Mas ali estava eu, orgulhoso como nunca por uma nação passada que quase sempre ignorei.

E mal tive companhia junto ao monumento, uma carrinha cheia de sul-africanos, apontei para a placa com as minibiografias dos dois marinheiros portugueses, Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, e disse com orgulho: estes são dois heróis do meu país – Portugal, e depois de uns instantes de silêncio, rematei… eles e o Cristiano Ronaldo (só para os pôr ao nível).

Depois da minha sentida homenagem aos heróis do mar da nação valente, segui para o Cabo da Boa Esperança, é assim que é hoje conhecido, Cape of Good Hope.
Pelo caminho continuei a passar por praias lindíssimas com ondulação forte, onde apenas se arriscam alguns surfistas.

Depois comecei a cruzar-me com babuínos e avestruzes... e foi o que mais me assustou, porque o cabo, em si, não é de todo assustador, apesar dos rochedos que, em tempos, adquiriam a forma de um adamastor gigante, que atormentava as tripulações que por ali tentavam passar.
Subi o rochedo do cabo para que a vista se tornasse mais abrangente e fiquei algum tempo no topo observando e escutando o marulhar das ondas, o mar agitado, mas nada que conseguisse engolir navios.

Mas se pensarmos naquilo que a história tem para contar sobre este local, sentimos qualquer coisa de especial. E foi assim que me senti, num sítio especial, com a sensação de que estava a viver um momento, também ele especial.

Em paralelo com o próprio Cabo da Boa Esperança, o polo mais visitado deste parque natural, também cheio de simbolismo histórico, é o Farol do Cabo. É nessa zona que se situam as infraestruturas turísticas de apoio, como um restaurante, umas lojas de souvenires e um funicular para acesso ao farol, no alto do penhasco. A tradição manda que os visitantes façam o percurso a pé, mas muitos sobem no funicular e depois descem a pé... mas isso é batota e, claro, eu escalei a minha montanha até ao topo.
A paisagem no topo é deslumbrante, vê-se o cabo lá em baixo, o Atlântico dum lado e o Índico no outro. 
Não era possível fazer uma paragem prolongada para reflexão, porque a ventania era brutal e, por isso, tive que descer até a um local mais abrigado onde a vista era equivalente, mas onde podia estar resguardado das fortes rajadas de vento que varriam o cume. 
E foi esse o espaço apropriado para uma meditação mais profunda sobre a importância deste local, não tanto pela sua singularidade geográfica, mas como símbolo histórico e como referência à superação das dificuldades, vencendo a tormenta e abrindo um nova e boa esperança.

São estes os momentos que mais nos tocam e emocionam numa introspeção sobre um local ou aquilo que esse local nos pode trazer à memória, sobretudo estando sozinho e não tendo parceiros de viagem com quem partilhar o que me vai na alma.

Saí depois para a outra baía, já a caminho do Índico, primeiro ainda no Parque Natural do Cabo e depois já ao longo de uma estrada nacional. As grandes enseadas vão aparecendo com como autênticos postais-ilustrados.

Ao longo daquela extensa baía, que nos surge após a passagem do Farol do Cabo, a False Bay, vamos continuando a encontrar várias enseadas com algumas praias e com paisagens de grande beleza, pelo contraste entre os verdes das encostas e os azuis vivos das águas. 

Voltei a molhar os pés para perceber se a água continuava a ser tão fria como do outro lado do cabo e constatei que era bastante diferente, com mais alguns graus... talvez atingisse os 16 ou 17º, penso que devido às correntes do lado do Índico. Ainda era uma água fria, mas já não me estalava os ossos. 

Mas a grande atração daquela baía é a Boulders Beach, uma praia escondida entre rochedos, próxima da vila de Simon’s Town, e onde reside uma imensa colónia de pinguins africanos.
A Boulders Beach, que significa Praia das Pedras, abriga uma colónia de pinguins africanos que se estima ter mais de três mil membros, e o grupo continua a crescer, porque o ambiente é ideal para a integração e desenvolvimento da espécie. Os peixes locais são adequados para a alimentação e não há naquela costa muitos predadores que possam pôr em risco a vida dos pinguins.

Estes famosos pinguins são, na realidade, descendentes de um pequeno grupo que se fixou naquela área no início dos anos 80 e, como os pinguins africanos corriam risco de extinção, a praia foi transformada numa reserva ambiental que, desde então, tem funcionado como o habitat perfeito para aquela espécie.

Em paralelo, a praia de Boulders Beach tornou-se também uma grande atração turística. A entrada na área de preservação custa 55 Rand (4 €) para adultos e metade para crianças. O acesso é feito por passadiços de madeira que evitam uma proximidade exagerada com os animais. Os pinguins são amigáveis e permitem a observação de bem perto, enquanto apanham sol ou entram no mar e até parece que chegam a pousar para a fotografia
Os pinguins estão confinados àquela praia, mas, ocasionalmente, podem sair da zona e ir, digamos que, para fora de pé, e aparecer noutros locais, como nas praias vizinhas, onde podemos encontrar algum desses simpáticos animais enquanto mergulhamos... e essa foi a razão para não me ter aventurado num mergulho, apesar da simpatia dos bichos. 

Também na estrada principal encontramos sinais de trânsito perfeitamente peculiares, alertando para perigo e com o desenho de um pinguim... certamente não encontramos este sinal no nosso código de estrada. 
Aliás, já tinha passado por sinais semelhantes mas com a imagem de um babuíno, porque estes animais começam a aparecer no cabo e acabam por se encontrar ao longo da estrada, tornando-se uma preocupação para as autoridades... pelo menos é o que revelam os painéis de alerta em todos os locais onde se podem fazer piqueniques, aconselhando a sair do local logo que se aviste algum babuíno, referindo que são agressivos e perigosos... para tentar roubar as merendas dos turistas menos cautelosos.

A vila seguinte, Simon’s Town é um local onde existe um grande porto militar, o maior daqueles mares, que serve de abrigo a todos navios das esquadras da NATO que passam por aquelas paragens. Mas não foi esse o porto que visitei, até porque não é visitável, fui apenas ao porto de recreio e de pesca. É dali que saem barcos com grandes gaiolas penduradas, levando os turistas, primeiro até à Seal Island (semelhante à que visitei nessa manhã, embora maior), seguindo depois na busca do grande tubarão- branco. Quando o encontram, os mais corajosos embarcam numa aventura bem radical e entram na gaiola para observar os grandes predadores que por ali andam.

Confesso que fiquei com pena de não ter conseguido fazer este programa, mas não tinha tempo suficiente... ou então foi porque me assustei um bocado ao ver as gaiolas com umas aberturas enormes, nem percebo porquê, porque é que não usam uma malha mais apertada para evitar a entrada de alguns focinhos indesejáveis. 

O dia estava quase acabado, fiz ainda o percurso até à Cidade do Cabo com uma única paragem, na zona de St James, passando por várias praias que são enfeitadas por umas casinhas de madeira, que funcionam como apoios de praia, todas elas pintadas de cores vivas que contrastam entre si.
Ainda parei e desci até a uma dessas praias, mas o ambiente que ali se respira não era minimamente apelativo. A frequência já não tem nada a ver com as praias desta manhã. O problema é sempre o mesmo, é racial, é social… lá está outra vez o apartheid, mais do que entre brancos e negros, faz-se notar entre ricos e pobres.

Foi um dia enorme, percorri cerca de 150 km pelas estradas assinaladas neste mapa, com paisagens de tirar o folgo, vi leões marinhos, babuínos, avestruzes e pinguins, e enfrentei os ventos fortes do incontornável Cabo da Boa Esperança... que dia fantástico!

Para esta noite tinha feito uma reserva no restaurante Beluga, na Cidade do Cabo, seguindo o conselho de alguns amigos. Um ótimo restaurante, o ambiente, a comida e até o preço... tudo cinco estrelas. Comi um carpaccio de springbok (ou impala), um caril de vegetais tailandês e terminei com uma sobremesa que era um manjar de deuses... com um pequeno mimo de doce de limão (com leite condensado), uma bola de gelado de lima e um sonho de abóbora (igual aos nossos da época do Natal). A mistura era explosiva, ou talvez fosse também a garrafa completa de um Sauvignon Blanc sul-africano, da região do Cabo, que fui "obrigado" a beber sozinho. Bem, o obrigado é capaz de ser um termo um bocado forte, mas, por falta de companhia com quem partilhar e como deixar metade duma garrafa daquele vinho por beber, seria um pecado, lá tive que beber tudo até à última gota.


Aproveito o tema para referir um dos grandes atrativos da zona do Cabo - os vinhos. Faltou-me fazer a rota das zonas de vinha, nos arredores do Cabo, as chamadas Cape Winelands. A apenas 60 km da cidade encontram-se várias regiões vinícolas, sendo a mais interessante a de Stellenbosch, onde encontramos montanhas grandiosas cobertas pelo verde vivo dos campos de vinha. Pareceu-me que será um local bastante interessante para se fazer uma visita, para além das paisagens de vinha, das adegas e da habitual degustação de vinhos, a zona tem ainda mais para oferecer, como restaurantes de aspeto rural e hotéis de charme.

Juntando a visita às vinhas, que não consegui fazer, com a outra falha, o mergulho de gaiola para ver tubarões, chego à conclusão que me faltou um quarto dia. Nesse caso haveria tempo para visitar as vinhas em Stellenbosch e para ir a Simon’s Town, apanhar um barco e mergulhar nas tais gaiolas. É um conselho que deixo, quatro dias em vez de três, e este quarto dia passado de manhã a ver focas e big sharks e depois, fazer os 60 km de Simon’s Town a Stellenbosch, almoçar e passar a tarde a visitar as vinhas e as adegas. (Atenção que não convém trocar a ordem destes fatores... imagine-se começar por uma manhã de prova de vinhos e depois ir mergulhar na gaiola!)


Dia 3:

Saído do Sea Point, junto ao mar, escolhi uma estrada sinuosa que se afastava da marginal cruzando toda a colina à meia-encosta e que me levou diretamente até à base do grande planalto que envolve e protege a cidade, a Table Mountain. Neste percurso, antes de chegar à base do grande planalto, atravessei uma das zonas mais requintadas dos arredores da cidade, uma espécie de Côte d'Azur sul-africana, com casas luxuosíssimas e carros de marcas e modelos de topo e com uma vista infinita sobre o mar.

Já junto ao sopé da Table Mountain, encontra-se a estação do Aerial Cableway. Um teleférico que nos leva até ao topo do planalto em menos de um minuto pelo preço é de 225 Rand, cerca de 17 €, para os percursos de subida e descida. 
Há, contudo, um caminho pedonal, para os mais corajosos e, para os mais loucos, há ainda a possibilidade de se fazer a descida em rappel, naquele que é o percurso “comercial” mais desnivelado de todo o mundo, para descidas em rappel. Arrepiou-me só de os ver, quando se suspendiam lá em cima em direção a um vazio sem fim, confiando as suas vidas nos cabos e arneses que os prendiam... como ninguém gritou, imagino que tenham chegado à base da montanha em segurança. 
Já lá em cima foi um bocado estranho, senti-me invadido por uma sensação de vertigem permanente, para onde quer que olhasse imaginava sempre uma queda iminente para o vazio, e o planalto, apesar de ser bastante largo, não me parecia suficientemente seguro para me proteger num caso em que, por exemplo, se levantasse uma ventania muito forte. Mas isso é mesmo a ilusão que as vertigens nos provocam, porque, na realidade, não corremos qualquer perigo, a menos que nos aproximemos demasiado dos limites do abismo.

Tive sorte com a visibilidade, que estava bastante boa, sabendo-se que, mesmo em dias de sol, ocorre frequentemente a formação de nuvens por condensações que se geram devido ao efeito de barreira dos ventos húmidos que vêm do mar. Mas, neste dia, só havia alguma neblina ao nível do mar e a visibilidade era perfeita, ideal para contemplar as paisagens magníficas que dali podemos ver. Mas imagino se o dia estiver encoberto, nem valerá sequer a pena fazer a viagem até ao topo do planalto.

Dos vários lados da montanha podem apreciar-se as diferentes perspetivas da paisagem. E foi isso que fiz, percorri os contornos da plataforma do planalto e fui parando, inspirando fundo e contemplando cada paisagem. Dum lado a Cidade do Cabo, desde o Downtown até ao Waterfront, já próximo do Green Point, assinalado aqui pela imagem em anel do estádio de futebol.
Do lado oposto, para Leste, a paisagem de montanhas e costa, surge ainda coberta por um manto de nuvens rasas, que vão na direção da zona de Hout Bay, explorada no dia anterior.
Virado para Sul a costa mostra-se magnífica, com as praias de Camps Bay e com a presença imponente do Lions Head, um pico com uma morfologia inusitada, tendo sido batizado como Lions Head porque, eventualmente, num determinado ângulo, com uma certa luminosidade e com muita boa vontade, se notará ali a forma de uma cabeça de leão. Confesso que não consegui distinguir a cabeça de animal nenhum.
Mais ao fundo surge a imagem ténue de um outro símbolo da cidade, a Robben Island, uma ilha descoberta pelo navegador português Bartolomeu Dias, localizada a 11 km da costa e com pouco mais de 5 km de comprimento.
Mas a Robben Island não é uma ilha qualquer, é um espaço onde se respira a história recente da cidade e do país, onde Nelson Mandela cumpriu 18 anos dos 27 em que esteve preso pelo seu combate ativo às políticas de apartheid impostas pelo poder sul-africano.

Em 1999 foi considerada Património da Humanidade pela UNESCO e, atualmente, para além de funcionar como um museu que retrata uma parte determinante da história da África do Sul, aquela que se refere à luta contra o apartheid, a ilha é também um santuário natural para muitas espécies marinhas.

É um local que pode também justificar uma visita, aliás, como alternativa para um quarto dia de viagem, com a tarde passada nas vinhas de Stellenbosch, a que acrescentei uma manhã de mergulho em gaiola junto aos tubarões-brancos, mas reconhecendo que este último desafio possa impor demasiada adrenalina para a maioria dos visitantes, faço aqui uma sugestão bem mais light, mantendo a tarde em Stellenbosch mas, na manhã, deixar os tubarões sossegados e fazer uma visita à ilha de Robben.

De qualquer forma, conta-me quem lá foi, que o interesse daquela ilha está associado exclusivamente à presença de Mandela naquele local e da mística que daí resulta. Os visitantes acabam por ter acesso a um conjunto de referências relacionadas com a presença da figura mais ilustre do país durante o seu cativeiro.


Voltando ao Table Mountain, quando me senti totalmente preenchido, já quase como quem se despede, não só do planalto, mas de toda a cidade, voltei ao Cableway para o percurso descendente. Peguei no carro e percorri os poucos quilómetros até outro ponto de observação, o miradouro Signal Hill, mais próximo da cidade e com uma vista excelente sobre o Waterfront e o Green Point.

O Signal Hill oferece ainda uma vista privilegiada do Lions Head e do próprio Table Mountain, vistos de baixo, de uma perspetiva diferente.

Além de miradouro o Signal Hill serve também como plataforma de descolagem para saltos de parapente, que fazem um voo planado sobre a cidade, aterrando depois nos extensos relvados do Green Point.

Os miradouros são sempre locais onde se pode observar muito para além do que uma fotografia nos pode mostrar. Porém começamos sempre com um breve olhar fotográfico, mas é preciso mais, é preciso inspirar fundo o vento que normalmente corre forte nestes locais, é preciso deixarmo-nos ficar demoradamente apreciando cada detalhe, é preciso deixar que a paisagem nos emocione... e este é um local de emoção fácil, é um local que nos agarra definitivamente. Foi o que fui fazendo ao longo desta manhã nos diversos pontos de observação por onde passei, ao contemplar as vistas fantásticas que esta cidade e a sua envolvente nos vão oferecendo, em mais um dia inspirador que se estava a tornar inesquecível. 


Voltei de novo pela estrada de montanha até a uma das mais bonitas praias nas proximidades da Cidade do Cabo, a Camps Bay Beach. 
Parei, percorri o calçadão, entrei pela praia, mais uma vez para experimentar as águas geladas, subi a uma encosta onde se podia apreciar a magnífica vista da baía.
Com o sol já alto a praia foi ganhando o movimento de um dia de Verão. Acabei por me sentar num dos restaurantes da marginal, com uma bela vista sobre a praia, onde almocei ao estilo de um breakfast inglês, com ovos, bacon, torradas e sumo de laranja, que me souberam divinamente, numa manhã muito apetecível, de sol e calor, junto a uma das praias mais bonitas da região... e ainda por cima, em pleno dezembro, quando em Portugal todos tremiam de frio.

Terminando o percurso programado para este dia, faltava apenas percorrer a marginal, já a caminho da Cidade do Cabo, passando ainda por mais uma das praias chiques da região, a Clifton Beach.
No passeio deste dia segui aproximadamente o percurso representado neste mapa, até chegar ao Green Point.
O Green Point é uma zona residencial, encostada ao mar, com uma grande marginal, para automóveis e também com um calçadão enorme para peões. Existem várias zonas verdes, com lagos e parques infantis e, na envolvente do estádio de futebol, fica mesmo um grande campo de golfe. Toda a zona e o próprio estádio foi requalificada e, em parte, foi mesmo construída de novo, para o campeonato do mundo de futebol que se realizou na África do Sul em 2010.

Ao percorrer estes bairros fiquei com a sensação muito evidente de que aquele seria um ótimo local para se viver... pelo menos para um europeu, talvez seja mesmo um dos melhores sítios para se viver em África. 



Terminou assim o dia e terminou também esta viagem deslumbrante, dirigi-me para o aeroporto onde ia apanhar um avião para Joanesburgo e depois um outro até Maputo.

A Cidade do Cabo entra diretamente para o meu top das cidades mundiais. Não é uma viagem muito acessível para quem está em Portugal, fica a quase 12 mil km, mas, ainda assim, recomendo vivamente este destino.

E acredito que quem resolver viajar para estas paragens, certamente, não ficará desiludido. Além desta cidade extraordinária, aquela zona Sul do continente africano está cheia de locais interessantes, como as reservas naturais, com a típica savana africana, cheias de animais selvagens, como o Kruger Park, ou as cataratas de Victoria Falls, estas já fora da África do Sul. Assim, pode ser escolhido um programa combinando os vários destinos que esta região de África oferece, que não será certamente um percurso barato, mas será, sem dúvida, uma viagem inesquecível.


As horas de despedida são sempre muito tocantes, sobretudo quando se abandona um local que, por ser tão distante, nos deixa com uma sensação de que não será fácil voltar a visitá-lo. Foram três dias incríveis, mas neste caso há um misto emoções... por um lado a euforia, pela oportunidade de desfrutar esta terra tão fantástica, mas por outro lado a tristeza de não ter sido possível partilhar esta experiência com as minhas habituais companheiras de viagem... talvez por isso, saia daqui com a obrigação de cá voltar, mas dessa vez acompanhado... acho que lhes devo isso.


Carlos Prestes